Talvez eu seja mesmo essa tempestade toda. E quisera eu ser
um pouco menos eufêmico quando digo que sou exagerado. Talvez eu seja mesmo o
cara por quem não se aposta um full house e que vai estar no fim da noite com
uma taça de Martini pela metade pensando no melhor modo de dizer aquilo que
você não me disse. É que eu me perco nos meus próprios pensamentos e a lua é
bonita demais pra não ganhar ao menos vinte minutos da minha noite e meus
amigos sempre exigem um sorriso novo e meus pais estão cada vez mais carentes e
as suas mãos estão tão frias e vem cá pra eu te abraçar enquanto eu estudo
Direito Empresarial e finjo que o seu esgar de raiva é um sorriso torto. Talvez
eu seja mesmo um pouco confuso, mas quando você menos esperar, eu vou entrar
pela porta da frente tocando trompete só pra contrariar a timidez do seu piano.
Não que eu não esteja apaixonado, que eu ache o seu piano trivial demais ou que
eu queira estourar os seus tímpanos. Talvez eu queira complementar a acústica
dos seus dias e esse seu revirar de olhos sempre me arrancou um sorriso tão
divertido quanto necessário. Eu não vejo necessidade nas coisas, mas tenho uma
lista de meia dúzia de coisas necessárias. Uma dúzia de meias verdades não
esclarece metade da sombra que faz a meia luz dessas minhas meias palavras.
Banalidades escritas e grandes discursos sussurrados. E olhe lá! Não reclame
muito quando eu for rápido e prático pra levar a cabo as crises e me demorar um
pouco demais escolhendo que filme nós vamos pagar pra não ver. Sim, eu sou
voluntarioso, não me orgulho disso, mas sou. Eu gosto que cedam às minhas
vontades, mas de quando em vez, gosto que a resistência me faça sentir. Eu tenho
um coração bon-vivant, eu tenho. Ele tem vontade própria e me lança sempre à
deriva das suas paixões. Dentro de mim venta muito, meu amor. Os navios
naufragam com facilidade e você tem resistido tão bem que eu chego a pensar que
preciso de um iceberg. Meu coração tem pressa de sentir. Ele é fascinado por
quem me faz sentir vivo, o frio é cortante e o vazio é a soleira do desespero. Um
brinde às dores todas porque felicidade de novela é pra gente tola. Quem não
inflama não sabe o que é a vida em sua face mais vermelha, mais viva, mais
sanguínea. Quem não inflama nunca vai saber o tamanho do vazio no peito. Nem o
tamanho da felicidade nos olhos. Veja bem, meu bem, talvez eu seja mesmo esse
deserto de frieza, areia e pálpebras fechadas, mas todo deserto que se preze
tem camelos e oásis. E eu, acima de qualquer suspeita, me prezo muito, você bem
sabe. Talvez eu até me preze mais que prezo a você. Veja bem, não foi isso que
eu quis dizer... Tsk. Foi sim, eu gosto mais de mim que de chocolate branco.
Não se importe com meu sorriso bobo, tem chovido muito e meu apartamento está sentindo
falta do sol estalando as janelas. Talvez eu seja mesmo essa tempestade toda, mas
depois que eu chover todo, não vai restar pedra sobre pedra, e até mesmo eu vou
ter que recomeçar a juntar nuvens no meu bolso.
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