domingo, 18 de setembro de 2011

Cartas.

Eram o peso das horas e a mão fria do vento arrastando de novo a minha mente pros lençóis daquela pousada. [Você acordava de mau humor e olhava pra mim sorrindo.] A lembrança me levava longe, pra perto da música e da meia luz do bar obscurecido pelo meu interesse pelos seus olhos rápidos, indiscretos, sorridentes e estranhos. [O bar estava claro, o vinho era uma sangria inexplicavelmente interessante, e eu não via motivo decente, nele ou em você.] Era a minha lembrança vaga e o frio na barriga, a vontade de voltar atrás na senda das horas e refazer tudo, sem exceções. Quem sabe se eu desistisse de dormir pra ficar te olhando respirar lentamente e esquecer que já era tarde. [Você lia seu livro despreocupadamente, era Fernando Pessoa? Era sim.] Quem sabe se eu conseguisse esquecer os textos a serem lidos, as xícaras de café rascante e as mãos frias sobre as folhas muito brancas pautadas de azul indiferente... [Nós ríamos no carro enquanto o vento esfriava meu rosto e você reclamava da janela aberta.] Quem sabe se eu pudesse ser audacioso pra ler os recados, enviar um e-mail ou tentar não estranhar a ausência. Quem sabe se eu viesse a te ver de novo, quem sabe planejar um acaso bem inevitável... [Eu sempre entrava sorrindo porta adentro, tropeçando na mesa dos porta retratos, como sempre, te ouvir rir e me chamar de bobo.] Quem sabe se eu pudesse ser capaz de medir melhor o peso do meu orgulho no prato oposto ao dos seus beijos nessa balança estranha que eu chamo de vida. Era o frio na barriga, o pôr do sol tão distante, agora, e as horas se arrastando. [Você sorria distante, olhando pro sol, e a cidade ali em baixo, nada mais existia, só a praça e, quem sabe, a serra ali atrás.] Talvez eu fosse capaz de te enviar uma das cartas que eu te escrevi esperando uma resposta, uma lembrança, uma partida ou um meio de estar ligado a você. [Naquele dia acordei meio nostálgico e o vinho me fez piorar. Era tarde de domingo: A única coisa que nos separava era a sua reprovação por Quintana: Velho maluco. Eu ainda me ofendo.] Era o café amargo de hoje e a minha visão cansada e as minhas mãos trêmulas. [Eu sempre tremia, ainda tremo.] Alguém me traz um Casillero, eu não li mais Pessoa... Ainda não gosto de lusos... Eu me fechei a você e às suas lembranças. Mas como toda boa lembrança, você sempre reaparece, tarde de domingo, pra me fazer rir. [Nós dois no Portofino, rindo da cara do garçom quando eu pedi um Torrentino e ele não sabia o que era. Nome difícil pra Martini Rosso com cereja...] Hoje eu acordei meio nostálgico, do jeito que você mais odiava, sentado no veio de sol da janela da sala, escrevendo no meu note e lendo Wilde ou Austen pra espoliar linha ou outra e atirar em você. Eu ainda me lembro de você e da sua revolta. Nunca queria ficar em casa. Que saudade da sua revolta! [Tô indo pro cinema, vamos? Vamos, mas eu escolho o filme. Se não vamos acabar no Belas Artes e eu vou dormir de novo em cima de você... Verdade, vou levar um casaco velho. Você baba...] E hoje? É só saudade? Acho que sim, sem vontade ou qualquer coisa a mais. Eu queria que não fosse. Ainda tenho seu celular anotado num papel perdido por aí, eu não jogaria fora... Ou... [Nós fomos ver Carmen, era minha preferida, mas o francês dos atores era péssimo... Era italiano?] Só preguiça de achar o número me impede de te ligar... Preguiça e uma pontada de medo. Vai que eu descubro que você já tem outro...? Eu já tive tantos casinhos... Melhor ficar aqui, restrito a nós, um ano atrás e à saudade. Eu juro que quando te vir vou te cumprimentar! É que a faculdade me toma muito tempo e meus amigos andaram sumindo por entre os meus dedos, meus pais andam mais estranhos do que nunca, Belo Horizonte tá um frio... [Eu tentei te explicar por que eu ia viajar na véspera do seu aniversário – pra comprar seu presente – mas você sabia que eu sou péssimo com desculpas e não deveria saber...] E eu juro que é só saudade... Mais nada. Lembrança entrelinhas e saudade. Só saudade.