quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Chuva.

Para Vitória Soares em um brinde às resoluções das 22:31h do dia 27 de agosto de 2013.



Era noite. Por mais que ele detestasse o escuro das ruas caladas e o frio do vento que de vez em quando descia a avenida. Indiferentemente, era noite. As unhas roídas talvez denunciassem as tormentas que se passavam dentro dela, os dentes marcavam os lábios na falta de algo que lhe desse motivo pra sorrir. Os olhos ardiam e o rosto era vermelho, ele andara os últimos dois quarteirões sem rumo em busca de distração, mas distrair-se é, lamentavelmente, tão difícil quanto continuar entregando-se aos sentidos falhos que apontavam sempre para a mesma lembrança. A tarde sempre trazia a traição inevitável, quando o senso de contentamento ia embora e restava uma percepção apurada e drástica dos últimos tempos. E toda a desesperança cabia dentro das taças altas e na liquidez do álcool é que se bem-afoga a tragédia humana: Os sorrisos dos dois continham todo o desespero do mundo enquanto eles se olhavam serenos, como se não houvessem tempestades. Vez por outra a contrição do pecador absolve, mas algum pecado sempre resta indefensável e ali mora a ira de todos os santos. O que a mente chama de fraqueza, talvez seja de fato remédio e aquilo mesmo que revoltaria a brandura daquela tarde de agosto possa apaziguar as necessidades todas que queimam. Algumas vezes, eu acordei sem saber, no meio da noite, se ainda estava vivo ou se aquilo era mesmo a eternidade no meu peito. Alguns dias andei quilômetros e continuei perdido. O escuro do quarto ainda fere os meus olhos, mas minhas mãos estavam acostumadas à ausência. Eu mudei, mãe. Vez por outra eu sorrio e o tempo parece uma criança brincando na margem daquela lagoa. Mas na verdade eu envelheci enquanto esperava o sol nascer, fiz da espera uma vida a ser vivida e hoje eu não sei mais como ser jovem embora meus olhos ainda sejam verdes. Mas sempre resta alguma coisa, um motivo vago pra se convencer. E a distância que eu guardo é só marca de que ainda há uma chama indecentemente viva, a despeito de mim. E o meu peito é terra árida, que eu revolvi na esperança de que nasça uma vida nova qualquer. Agora, céus, por fim, chove. Eu vejo as gotas ameaçarem a transparência dos vidros das janelas. Mas já faz tanto tempo que não chove...

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