Não foi para aquela tarde de sol, já empoeirada pela
passagem dos anos, que ele tinha escrito aquelas linhas todas embebidas de
saudade. Não havia sol, entretanto, era uma tarde chuvosa que sussurrava entre
dentes um entardecer laranja, terrível. Hoje, cada palavra era uma certeza
doce, mergulhada em meio às tantas coisas por fazer e à velocidade dos
ponteiros do velho relógio sobre a cômoda vitoriana cor de mogno-indiferença.
Hoje eram copos ociosos de café quente, como o próprio verão, da rigidez de suas
carnes novas e roupas leves. Ele tinha mil páginas a serem lidas, algumas
pilhas de muitos livros pelo quarto e uma estranha pontada de admiração pelas
pedras, que não precisavam de vinho. Mas hoje ele estava um pouco mais alto. O
barulho não era estridente o suficiente para abafar os passos dele. Ele refinou
aquela confiança, renasceu uma meia dúzia de vezes e com um sorriso obtuso nos
lábios, hoje era todo certeza, filho de uma vontade superior. Enquanto rasgava com
passos firmes a rua de pedra, pensava na chuva e chovia por dentro. E a sua
tempestade rugia um pouco mais alto, era a sua própria tempestade, ele sempre
gostara de leões. Os piores, os ferozes, os orgulhosos, os mais dourados. O
pensamento ganhava forma longe dele, enquanto distraído como uma nuvem, ele
seguia em frente. Desavisado dos perigos, ele podia andar sem mais medos. Sem
se importar com o tamanho das presas, os leões pareceriam sempre mais fáceis,
domáveis. O rugido da chuva aumentou brusco, e com um sorriso, ele olhou para o
céu sem mais apertar os olhos. E rugiu. Afinal, os problemas são leões. Sem
dentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário