sábado, 13 de abril de 2013

Inclemência.


Por tantas e tantas vezes eu preferi a mudez premeditada das minhas palavras ao silêncio ensurdecedor dos seus olhos... Eu me acostumei à fuga e ao medo. Ao desespero de ver crescer viçosa a saudade enquanto eu tentava cobrir com a indolência das tardes entre amigos a realidade latente. Mas não me leve a mal. Eu tenho os meus próprios labirintos e não me interessa a saída deles se você chega voando de algum lugar distante, asas cansadas, deita na grama ao meu lado e dorme instantâneo como uma fagulha. Pólvora vertendo dos seus dedos espalhados sobre os meus cabelos frios, esperando que algum fogo lhe ofereça uma nova força. E na fugacidade do encontro, pólvora e fogo, faça-se luz, o escândalo sutil das bocas unidas, faça-se vida, ainda que breve. Faça-se fumaça, e na brancura inclemente, faça-se desencontro. As esquinas sem calor se estenderão numa profusão de postes amarelados, de casos e acasos e eu me exigirei um sorriso elegante, a clareza, a prudência, até que as vítimas da minha frieza não mais satisfaçam o preço alto do meu comprazer. Enfim, serão duas da manhã e o vento trará em seus lábios frios o sussurro rouco do passado e as suas mãos vão tocar meu rosto ainda inconformado, mas mudo. De quando em vez, estarrecido, eu ainda te sentirei respirar contra a frieza do meu rosto, dos meus olhos sóbrios, das minhas razões afiadas, mas os meus braços não são mais fortes e a minha mente turvou-se em uma armadilha lenta e inevitável como o tempo. Marcando passos na calçada molhada, veneno e cura dançarão a valsa lenta das horas enquanto eu me acompanharei de algumas garrafas e um resquício de certeza, o orgulho interiorano e as obrigações da boa praxe. Eu decairei lentamente entre taças de vinho e, se acaba a liquidez do álcool, restar-me-á a borra, a lembrança e o vício. E você há de perdoar-me a vergonha de um vício. O que mais me matou todos esses anos não foi o álcool, mas a abstinência dos seus olhos.

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