Porque até a ignorância mais animal é melhor que a
intransigência, eu declinei. De fato, eu me cansei de andar às voltas com os
problemas alheios e deixar os meus, irresolutos. Cansei de fenecer a sós,
depois de um dia inteiro pondo lastro ao sonho dos outros, plantando sanidade
onde havia temeridade e dobrando a poder de argumento a indignação convulsiva e burra. Eu me
cansei de me ver imerso na bruma bêbada das tardes sorridentes e ter a noite me
presenteando com a clareza cruel das lâmpadas altas e a velocidade das horas
necessárias. Eu não suporto mais o peso das lágrimas alheias e de presenciar meus
conselhos lamentavelmente mal interpretados serem aplicados como regra última. Não sei mais lidar com as
tempestades de outros. Não posso mais decantar salinas inteiras dos mares
alheios e encontrar a minha salina intocada. Cansei de trocar as páginas dos
meus livros pelos capítulos intrincados da novela alheia. Cansei-me de
compreender os pontos de vista mais errados, de ser compassivo ou conivente, cansei de condescender
e de prescindir. Eu me exauri na complicada alquimia de tantos verbos, e hoje
não sou capaz de me preocupar com os traquejos da praxe, com as palavras certas, com o
pragmatismo covarde e com a indignidade diplomática necessárias ao conselheiro. Cansei-me de assistir do
alto de uma torre, cidades inteiras queimarem sem tomar partido, cansei de ver
a culpa de cada pequena chama ser-me atribuída. Eu cansei de defender os interesses
mais delicados e em paga, receber os juízes mais atrozes. Eu não sei mais tolerar os cataclismos alheios com naturalidade, eu não posso mais me segurar e eu perdi
a prática dos sorrisos educados. Eu simplesmente não vejo mais a necessidade de me envolver em
desmoronamentos que eu não causei. Irremediavelmente me cansei da
intransigência. Me cansei dos que não reconhecem erros, dos que não se dobram, dos
que correm contra a lâmina, da intelectualidade vaidosa, dos que pensam conhecer
o mundo, dos que vivem em busca de algo pra buscar. Eu me cansei daqueles que “têm
certeza”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário