sábado, 12 de maio de 2012

Do Abismo.


Descobertas são sempre traumáticas, se são a respeito de si mesmo, então, pior ainda. Eu escolhi me alienar das crises alheias e me render a esse atraente direito de ser irracional. Pus as razões dos outros de lado e me permiti submergir em uma crise, dessas que se encurvam sob o peso da água quente debaixo do chuveiro. Essas tardes de sexta, que exigem aos gritos um pouco de insensatez que esverdeie o céu azul, trazem um pouco de compreensão, só o suficiente para que você perceba... Sozinho, à deriva, numa rua cheia de pessoas que olham seus passos pretensiosos em direção ao nada, você anda com a suavidade de uma estátua. Descrevendo passos que mesmo sem destino, continuam preocupados, altivos, coléricos. Acostumado ao grilhão acobreado da pressa, prefere se agarrar com força aos ponteiros de um relógio qualquer pra que não perca o medo de se atrasar que tanto preza. Essa necessidade da pressão que impulsiona talvez seja o açoite da minha vontade bem cortada e costurada aos interesses, deveres e rotinas da praxe sobre a carne dura e negra dos meus desejos que queimam sem cessar. Mas uma tarde, as companhias se tornam garrafa vazia e uma nova necessidade cresce viçosa: solitude e privação inauguram o deserto que eu criei para o meu jejum. E você se deixa sentir coisas que sequer percebia que podia sentir. Saudade de amigos, de vozes, de cheiros, de toques e risos. Vontade de correr com vento lambendo o rosto, um abraço esquecido, um suspiro inaudível... Despercebidas, essas vontades permeiam o curso das horas, dando o sabor amargo que os dias prescindem. E de repente, descobre uma necessidade louca de permissividade: Quem nunca se permite sentir o que não quer, não compreende os próprios desejos, não perdoa os deslizes sem culpas desnecessárias e não saberá o gosto surreal de uma manhã de domingo despreocupada e lúcida. E se cansa das insistências, das tentativas toscas e aprende a sorrir, mesmo frente ao abismo mais profundo. Aprende a se permitir. Aprende a se perdoar e a sorrir, mesmo quando o abismo fica dentro de você.

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