Porque até a ignorância mais animal é melhor que a
intransigência, eu declinei. De fato, eu me cansei de andar às voltas com os
problemas alheios e deixar os meus, irresolutos. Cansei de fenecer a sós,
depois de um dia inteiro pondo lastro ao sonho dos outros, plantando sanidade
onde havia temeridade e dobrando a poder de argumento a indignação convulsiva e burra. Eu me
cansei de me ver imerso na bruma bêbada das tardes sorridentes e ter a noite me
presenteando com a clareza cruel das lâmpadas altas e a velocidade das horas
necessárias. Eu não suporto mais o peso das lágrimas alheias e de presenciar meus
conselhos lamentavelmente mal interpretados serem aplicados como regra última. Não sei mais lidar com as
tempestades de outros. Não posso mais decantar salinas inteiras dos mares
alheios e encontrar a minha salina intocada. Cansei de trocar as páginas dos
meus livros pelos capítulos intrincados da novela alheia. Cansei-me de
compreender os pontos de vista mais errados, de ser compassivo ou conivente, cansei de condescender
e de prescindir. Eu me exauri na complicada alquimia de tantos verbos, e hoje
não sou capaz de me preocupar com os traquejos da praxe, com as palavras certas, com o
pragmatismo covarde e com a indignidade diplomática necessárias ao conselheiro. Cansei-me de assistir do
alto de uma torre, cidades inteiras queimarem sem tomar partido, cansei de ver
a culpa de cada pequena chama ser-me atribuída. Eu cansei de defender os interesses
mais delicados e em paga, receber os juízes mais atrozes. Eu não sei mais tolerar os cataclismos alheios com naturalidade, eu não posso mais me segurar e eu perdi
a prática dos sorrisos educados. Eu simplesmente não vejo mais a necessidade de me envolver em
desmoronamentos que eu não causei. Irremediavelmente me cansei da
intransigência. Me cansei dos que não reconhecem erros, dos que não se dobram, dos
que correm contra a lâmina, da intelectualidade vaidosa, dos que pensam conhecer
o mundo, dos que vivem em busca de algo pra buscar. Eu me cansei daqueles que “têm
certeza”.
Destilo aqui a dor, o delírio, a desventura e a delícia dos meus dias em palavras. Destile, você, essas palavras em algo que te compraza.
terça-feira, 15 de maio de 2012
sábado, 12 de maio de 2012
Do Abismo.
Descobertas são sempre traumáticas, se são a respeito de si
mesmo, então, pior ainda. Eu escolhi me alienar das crises alheias e me render
a esse atraente direito de ser irracional. Pus as razões dos outros de lado e
me permiti submergir em uma crise, dessas que se encurvam sob o peso da água
quente debaixo do chuveiro. Essas tardes de sexta, que exigem aos gritos um
pouco de insensatez que esverdeie o céu azul, trazem um pouco de compreensão,
só o suficiente para que você perceba... Sozinho, à deriva, numa rua cheia de
pessoas que olham seus passos pretensiosos em direção ao nada, você anda com a
suavidade de uma estátua. Descrevendo passos que mesmo sem destino, continuam
preocupados, altivos, coléricos. Acostumado ao grilhão acobreado da pressa,
prefere se agarrar com força aos ponteiros de um relógio qualquer pra que não
perca o medo de se atrasar que tanto preza. Essa necessidade da pressão que
impulsiona talvez seja o açoite da minha vontade bem cortada e costurada aos
interesses, deveres e rotinas da praxe sobre a carne dura e negra dos meus
desejos que queimam sem cessar. Mas uma tarde, as companhias se tornam garrafa vazia
e uma nova necessidade cresce viçosa: solitude e privação inauguram o deserto
que eu criei para o meu jejum. E você se deixa sentir coisas que sequer
percebia que podia sentir. Saudade de amigos, de vozes, de cheiros, de toques e
risos. Vontade de correr com vento lambendo o rosto, um abraço esquecido, um
suspiro inaudível... Despercebidas, essas vontades permeiam o curso das horas,
dando o sabor amargo que os dias prescindem. E de repente, descobre uma
necessidade louca de permissividade: Quem nunca se permite sentir o que não
quer, não compreende os próprios desejos, não perdoa os deslizes sem culpas
desnecessárias e não saberá o gosto surreal de uma manhã de domingo
despreocupada e lúcida. E se cansa das insistências, das tentativas toscas e
aprende a sorrir, mesmo frente ao abismo mais profundo. Aprende a se permitir.
Aprende a se perdoar e a sorrir, mesmo quando o abismo fica dentro de você.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Da Liberdade Forçada.
E da espera, do costume nasce a lentidão das horas e o tempo
juntos é obrigação. Sempre chega a hora e para alguém, liberdade deixa de ser
objeto de vontade e decai lentamente, revirando com dedos longos as correntes
de lembranças deformadas pelo tempo. Decantado o encanto, liberdade se dobra em
decorrência simples e fática do descuido, da tempestade velada pela indiferença
educada. Liberdade indesejada, passa rascante íris a dentro degradando em cacos
tão transparentes quanto afiados a lembrança que ora foi sólida. Os olhos verdes
dele não verteriam lágrima, não verteriam sangue, não verteriam olhar de
desagrado ou desacato: e a dança do fim se retraça sob os balcões enfeitados do
teatro. Passos lentos e longos, os olhares medrosos por se cruzarem no desatino
das aleatoriedades do acaso. Aquele que esteve preso se liberta por pura
necessidade, sem vontade, sem ranger de dentes. Exilado, se sente só,
acostumado às ataduras quentes sobre os ferimentos muito novos e vermelhos
causados pelo calor da presença. E trata as queimaduras como se fossem pequenas
medalhas revestindo o peito nu que antes se cobria de lembrança. E o
pragmatismo das palavras bem escolhidas se mostra mais covardia que praticidade
e deixa entrever o sangue que ainda corre. Vermelho, denso, tão divino quanto
qualquer ser humano pode ser.
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