Hoje eu pus pra fora o choro e o silêncio que moravam em mim já havia alguns séculos. O meu tempo é diferente: de vez em quando eu me encaro senhor, do alto de uns setenta anos de cabelo prateado e olhos verde acinzentados no espelho, ou então novo, com a pele esticada e macia. Hoje eu vi nuvens nos meus olhos e não pude contê-las. Não sou desses que choram, que acham que chorar é remédio. Nunca fui. Sempre preferi agir, iludir ou calar, por mais que a tristeza em mim fosse evidente. Mas hoje o silêncio me ardeu a garganta e saltaram a meus olhos verdades que eu não queria deixar passar dos lábios. Irromperam de mim soluços, mágoas, dores, lágrimas e tempestades numa gradação infinita de espinhos. Eu tremi como uma torre que desaba, que se desfaz com vento. Eu, castelo de cartas sem redoma, sem força que o segure. Eu me desfiz lentamente em pensamentos, agarrado ao meu desesperante travesseiro, macio em contraste à minha consciência. E vi cenas da minha infância, da minha sorridente certeza em estar sempre certo, da desnecessidade do tempo e da pouca saudade. Eu vi a minha contida revolta adolescente e vi os boletins queimarem depois da formatura. Eu me lembrei da sorte, da derrota, da loucura, do sorriso, do abraço, da distância, do grito, da velocidade, da lentidão, da ingenuidade e da incapacidade de saber,da vitória e da mais despreocupada e bonita ignorância. Eu desejei a liberdade, o vento, a fuga, as luzes dos postes, os caminhos desconhecidos, um lugar pra chegar e a calma dos que não tem motivos. Eu desejei não ter que lutar, não ter a certeza ou a confiança dos outros em mim, não ver o sol trazer outra manhã e nem ter que sair da cama. Eu quis tanto e desejei tanto que as lágrimas secaram deixando o sal amargo sobre a pele. E já não era mais eu. Era outro, quem sabe mais forte, quem sabe mais homem, quem sabe mais pedra, quem sabe mais humano.
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