sábado, 31 de agosto de 2013

Talvez

Talvez eu seja mesmo essa tempestade toda. E quisera eu ser um pouco menos eufêmico quando digo que sou exagerado. Talvez eu seja mesmo o cara por quem não se aposta um full house e que vai estar no fim da noite com uma taça de Martini pela metade pensando no melhor modo de dizer aquilo que você não me disse. É que eu me perco nos meus próprios pensamentos e a lua é bonita demais pra não ganhar ao menos vinte minutos da minha noite e meus amigos sempre exigem um sorriso novo e meus pais estão cada vez mais carentes e as suas mãos estão tão frias e vem cá pra eu te abraçar enquanto eu estudo Direito Empresarial e finjo que o seu esgar de raiva é um sorriso torto. Talvez eu seja mesmo um pouco confuso, mas quando você menos esperar, eu vou entrar pela porta da frente tocando trompete só pra contrariar a timidez do seu piano. Não que eu não esteja apaixonado, que eu ache o seu piano trivial demais ou que eu queira estourar os seus tímpanos. Talvez eu queira complementar a acústica dos seus dias e esse seu revirar de olhos sempre me arrancou um sorriso tão divertido quanto necessário. Eu não vejo necessidade nas coisas, mas tenho uma lista de meia dúzia de coisas necessárias. Uma dúzia de meias verdades não esclarece metade da sombra que faz a meia luz dessas minhas meias palavras. Banalidades escritas e grandes discursos sussurrados. E olhe lá! Não reclame muito quando eu for rápido e prático pra levar a cabo as crises e me demorar um pouco demais escolhendo que filme nós vamos pagar pra não ver. Sim, eu sou voluntarioso, não me orgulho disso, mas sou. Eu gosto que cedam às minhas vontades, mas de quando em vez, gosto que a resistência me faça sentir. Eu tenho um coração bon-vivant, eu tenho. Ele tem vontade própria e me lança sempre à deriva das suas paixões. Dentro de mim venta muito, meu amor. Os navios naufragam com facilidade e você tem resistido tão bem que eu chego a pensar que preciso de um iceberg. Meu coração tem pressa de sentir. Ele é fascinado por quem me faz sentir vivo, o frio é cortante e o vazio é a soleira do desespero. Um brinde às dores todas porque felicidade de novela é pra gente tola. Quem não inflama não sabe o que é a vida em sua face mais vermelha, mais viva, mais sanguínea. Quem não inflama nunca vai saber o tamanho do vazio no peito. Nem o tamanho da felicidade nos olhos. Veja bem, meu bem, talvez eu seja mesmo esse deserto de frieza, areia e pálpebras fechadas, mas todo deserto que se preze tem camelos e oásis. E eu, acima de qualquer suspeita, me prezo muito, você bem sabe. Talvez eu até me preze mais que prezo a você. Veja bem, não foi isso que eu quis dizer... Tsk. Foi sim, eu gosto mais de mim que de chocolate branco. Não se importe com meu sorriso bobo, tem chovido muito e meu apartamento está sentindo falta do sol estalando as janelas. Talvez eu seja mesmo essa tempestade toda, mas depois que eu chover todo, não vai restar pedra sobre pedra, e até mesmo eu vou ter que recomeçar a juntar nuvens no meu bolso.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Chuva.

Para Vitória Soares em um brinde às resoluções das 22:31h do dia 27 de agosto de 2013.



Era noite. Por mais que ele detestasse o escuro das ruas caladas e o frio do vento que de vez em quando descia a avenida. Indiferentemente, era noite. As unhas roídas talvez denunciassem as tormentas que se passavam dentro dela, os dentes marcavam os lábios na falta de algo que lhe desse motivo pra sorrir. Os olhos ardiam e o rosto era vermelho, ele andara os últimos dois quarteirões sem rumo em busca de distração, mas distrair-se é, lamentavelmente, tão difícil quanto continuar entregando-se aos sentidos falhos que apontavam sempre para a mesma lembrança. A tarde sempre trazia a traição inevitável, quando o senso de contentamento ia embora e restava uma percepção apurada e drástica dos últimos tempos. E toda a desesperança cabia dentro das taças altas e na liquidez do álcool é que se bem-afoga a tragédia humana: Os sorrisos dos dois continham todo o desespero do mundo enquanto eles se olhavam serenos, como se não houvessem tempestades. Vez por outra a contrição do pecador absolve, mas algum pecado sempre resta indefensável e ali mora a ira de todos os santos. O que a mente chama de fraqueza, talvez seja de fato remédio e aquilo mesmo que revoltaria a brandura daquela tarde de agosto possa apaziguar as necessidades todas que queimam. Algumas vezes, eu acordei sem saber, no meio da noite, se ainda estava vivo ou se aquilo era mesmo a eternidade no meu peito. Alguns dias andei quilômetros e continuei perdido. O escuro do quarto ainda fere os meus olhos, mas minhas mãos estavam acostumadas à ausência. Eu mudei, mãe. Vez por outra eu sorrio e o tempo parece uma criança brincando na margem daquela lagoa. Mas na verdade eu envelheci enquanto esperava o sol nascer, fiz da espera uma vida a ser vivida e hoje eu não sei mais como ser jovem embora meus olhos ainda sejam verdes. Mas sempre resta alguma coisa, um motivo vago pra se convencer. E a distância que eu guardo é só marca de que ainda há uma chama indecentemente viva, a despeito de mim. E o meu peito é terra árida, que eu revolvi na esperança de que nasça uma vida nova qualquer. Agora, céus, por fim, chove. Eu vejo as gotas ameaçarem a transparência dos vidros das janelas. Mas já faz tanto tempo que não chove...