quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Janela de Caixilhos Azuis.


Estava frio quando a noite esvoaçou negra sobre as árvores da avenida, o vermelho sangrou os meus olhos pálidos de sono e um espelho qualquer me disse que há algo em mim que não estava ali antes de abril. Eu que nunca me apeguei ao passado, sempre temi o futuro e as suas navegações cegas. As trepidações que o incerto trazia me revoltavam e amedrontavam, mas por alguma razão alheia à minha consciência eu sorri quando notei a transparência dos meus motivos. Meus olhos não eram mais tão maliciosos e a cor deles não era tão ácida quanto as opiniões que eu tinha sobre mim, sempre exigentes como faria uma senhorinha aiuruocana do alto do seu janelão de caixilhos azuis. Eu fiz a guerra dos grandes capítulos vigorar por tempo demais. Confabulei a minha prisão com os requintes que me forneciam a prática social e a elegância do sorriso de quem porta uma dor incurável. E eu acordei noite pós noite, sem ar, enquanto murmurava nomes, frases esquecidas e sorrisos escandalosos. Com os olhos fechados, retesei meu corpo até que eu conseguisse tocar os meus sonhos mais escuros. E caíram no chão as correntes que, liberto, eu prendia aos pulsos para, acostumado que estava ao peso da obrigação, eu pudesse me sentir impelido. A noite impiedosa apagou as luzes do apartamento e, sozinho, pude perceber que fui por muito tempo o que queriam de mim. Primei pelas expectativas alheias e assisti, do alto de uma janela de caixilhos azuis, as caravanas passarem sob o meu olhar desfocado e sempre voltado para o voo dos pássaros negros da saudade. Mas essa noite o vento estava forte demais para que eu assentisse uma nova mudez. Eu quebrei o pacto e deixei que o silêncio dos culpados me levasse um pouco mais longe. Abril me trouxe uma nova solidão e eu não permitirei que ela se vá sem ser sentida, dos meus olhos, uma nova chama queimará sem mais combustível que a própria loucura. Eu escolhi tomar parte na torrente dos meus sentidos e me permiti uma deriva lúcida e a bênção de um maremoto novo. Reneguei o claustro e o medo, e sem linhas pra seguir, deixei a janela de caixilhos azuis e me embrenhei pelas ruas mais tortas. Perto ou longe, só me interessa que, estúpida e incontrolável, a deriva me leve a novos portos.

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