As tardes d’Aiuruoca me
mantiveram um pouco menos sóbrio que o normal, eu acho. Essa pouca sobriedade
necessária à abstração e a essa sensibilidade interiorana dada ao muito pensar
e à profundidade de sensações. Quando se está aqui, pensa-se com mais afinco,
sente-se com mais terror. É terrível a sensitividade que proporciona o laranja
tímido dessas tardes serranas, que mal consegue mudar o tom azul das montanhas
geladas de frio logo ali bem em frente aos meus olhos. O sol fraco e a senda de alaranjar
com paciência o chão padronado da cozinha tão grande quanto vazia e o tempo que,
conforme avançam as sombras, começa lentamente a perder significância e
ritmação. Não sei ao certo quanto tempo fiquei, ou poderia ter ficado, ali
sentado, esperando que a tarde fria me perdoasse as muitas constatações e me engolisse
num esgar de condescendência. Era o frio da noite aiuruocana contra o meu peito
nu, contra a nudez enrubescida dos meus olhos acostumados com a pouca luz dos
dias de Belo Horizonte. Como eu sou dado a essas torturas, nada poderia ser mais meu que o frio e a noite escura dos vagalumes. Verdade que as noites aiuruocanas eram mesmo uma
verdade como que forjada a ferro, uma lâmina fria sempre a incomodar. Eu, em
algum ponto desses dias frios me vesti com algumas dessas lâminas. Hoje eu vejo
que elas me deixam pouco móvel, mas sempre de pé, sempre certo de onde minhas
mãos podem tocar sem que um corte ou outro me relembre a distância necessária. Racionalidade estranha, eu percebi hoje, com toda a ironia que é chegar a
essa quarta feira presunçosa com a certeza de que, embora sempre um pouco
perdido, eu estive andando sob um rumo
acertado. Perder-se também é necessário, entregar-se a uma fúria ou outra pra
conhecer as misérias do perder-se e a delícia do vento onde não há trilha
marcada. Entre tantos entretantos, sempre me disseram, com uma razão digna de ser chamada indecente: A Aiuruoca te trará de volta aos trilhos. Pois bem. Esses
trilhos agora me devem levar de volta à Cidade de Minas. Deixe estar, então.
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