Eu ainda
desconheço dia de sol de tinta guache e brisa soprada com carinho quando se
fala em meu nome. Eu sempre cultivei os caminhos que traçam sinuosos os limites
do desconhecido, daquilo que me exige uma nova hoste de forças, caminhos que
margeiam as tempestades mais incansáveis, mais temperamentais. Eu nunca fui de
pouco sentir, de facilidades compradas com atenção alheia e sentimentalismos
baratos. Meus sentimentalismos são torpes e me custam o sangue que paga o preço
da loucura dos revolucionários mais apaixonados. Ah, eu não me permito
rendições amigáveis ou pequenos sofrimentos. Dor pequena, não há que ser
sentida, não me apareça coração ou mente com choros rasos e motivos que não me
sejam capazes de queimar. Eu não sei trabalhar com lâminas muito bem afiadas, e
talvez pela ausência do ofício delas, aprendi a bem-usar as cegas. Eu,
declaradamente, me apaixono com facilidade e com a habilidade dos anos, forjo
uma tempestade toda numa única e solitária tarde amena de abril e logo em maio
já sou chuva torrencial de pura extravagância, sem motivo razoável ou comoção
justa. Cuido em não procurar doçura em boca alheia, mas em primar para que as
minhas frases sejam sempre as donas de uma cortesia obscena, embriagada de
álcool ou metáfora que justifique um bom eufemismo. Ah, eu prefiro permitir que
a intempérie me castre, arrase, faça sangrar uma miríade de pequenas verdades necessariamente
cortantes para que, sem pecados, destinações fúteis, destilações venenosas ou
grosserias, seja capaz de renascer das mesmas águas que me deram morte. Aprendi
a ser cruel com meus amantes, sobretudo com os que se atreveram a me fazer
sentir mais que o vento frio que desvela o pudor educado dos olhares que
flertam no éter pesado dos desejos. As minhas noites são escuras na medida do
meu desejo e eu mesmo dou ensejo aos acontecimentos que, rindo, eu chamarei
arbitrariamente de trágicos ou cômicos. Eu não trato de escusar meus deslizes, racionalizar
minhas loucuras, desculpar meus caprichos, não trato de por termo às minhas
prepotências; procuro manter minha anarquia sob a mais absoluta e saudável
monarquia. Sou vítima única e sorridente da minha própria condescendência. Não
pense que eu sei controlar meu futuro, o que há por vir é uma roleta russa impiedosamente
igual para qualquer mortal, entretanto, da mais graciosa forma, as balas é que são
diferentes. Ferem mais, ferem menos, às vezes arrancam um sorriso inteiro do
seu rosto, às vezes sequer turvam a calma dos seus olhos. Por sorte, as balas
são tão diferentes quanto são as pessoas: Eu, eu aprendi a regenerar as
estátuas quebradas, mesmo que sejam as mais antigas, aprendi a reinventar novos
sorrisos quando os antigos foram subitamente decapitados. Eu me proponho a
reação mais tresloucada aos assaltos da vida e a não permitir que ela me leve a
luz, em detrimento de todo o resto. A ciência da fugacidade das coisas só não é
mais preciosa que o senso de aprendizado que a passagem dos anos faz nascer
naqueles que pensam. Mas não se engane, caro leitor. Só caberá a você decidir
pela própria morte. Você poderá encontrar a morte como uma rosa, que se
desfolha perfumando o vento que lhe carrega a alma, ou não. Ou morrer pedra.
Dura. Impassível e fria. Dependente da ponta afiada de um cinzel que lhe
imprima algo em que acreditar.
Destilo aqui a dor, o delírio, a desventura e a delícia dos meus dias em palavras. Destile, você, essas palavras em algo que te compraza.
sábado, 24 de novembro de 2012
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
Da Solidão.
Verdade é
que você sofre, anda, trabalha, ri, corre, se distrai, até que numa noite
chuvosa de sexta, você vai perceber que algo mudou e ficou uma vontade de ir ao
cinema sozinho, leve e dono de si, sem penalidades ou guerrilhas internas. Sala
de projeção escolhida com cuidado, vazia e silenciosa, o filme transcorre sem nenhum
susto ou tiroteio de faroeste. Nem sempre solidão é assim tão desesperadora,
ruim, como dizem os românticos. A solidão pode ser uma boa companheira, se você
não a desprezar. Trate-a com carinho, respeito e dedique a ela uns minutinhos
diariamente. Se no meio do dia ela tomar de assalto a sua caminhada, sorria
sinceramente, ponha uns fones de ouvido e valse com ela até o portão do seu
prédio. Abrigue-se alguns momentos sob a solidão de um taxi e depois deixe-a
voltar sozinha enquanto você festeja numa boate qualquer, mesmo sentimental,
ela compreenderá. Saiba que a solidão é boa amiga, mas péssima esposa,
portanto, tenha o cuidado de não levá-la para a cama todos os dias. Não se esqueça,
trate bem a solidão e aceite de bom grado a sua companhia. Se você se acostumar
a ela e souber que nem sempre ela estará com você, perceberá que, de fato, ela frequentemente
se ausenta e alguém aparece pra bater papo. A solidão pode ser o que você
quiser, se você souber dizer a ela o que quer, pode ser retiro espiritual,
dança na chuva, choro no canto, riso estridente, pode ser até melancolia ou
felicidade particular. Eu aprendi a respeitar a solidão porque tanto quanto
meus amigos, a solidão me faz companhia quando todo mundo foi embora e o
apartamento está vazio de vozes e luzes. Escuro e silencioso como aquela sala
de cinema. E se alguém perguntar, a solidão é minha, eu levo pra onde quiser.
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