sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Anestesia.

Fazia tempo que ele não se sentia só. Sua solidão era sempre acompanhada, pelos amigos calados ou não, pelas garrafas de bebida alcoólica, pela luz trêmula das velas. Dessa vez, no banco de trás do taxi barulhento, ele percebeu o quanto estava só: Não era um sentimento estranho, pelo contrário, conhecido seu. Ele nunca gostara de estar só, buscava febrilmente amigos, telefonemas, bilhetes, pois tinha medo do escuro, dessa ausência que o domingo à noite costuma lançar sobre os telhados. Enquanto o carro zunia por entre pessoas e olhares ele só observava com frieza algo que tinha ficado lá fora. Um casal, um garoto com seu cachorro, uma senhora gorda cheia de sacolas, meia dúzia de meninas sorridentes cheirando a pretensão... O interesse que ele movia contra os vidros dos tantos taxis onde ele já estivera agora estava emudecido no fundo de algum lugar dentro dele. Ele estava cansado; de correr em vão em busca de pessoas, de ver pessoas correndo por ele, dos joguetes, dos olhares, das estratégias e do grande jogo. Pronto pra esquecer cada detalhe, ele caminhou por muitas lembranças, como se estivesse prestes a desistir de alguma coisa que já não mais lhe pertencia. A velocidade do taxi levava para mais e mais longe a sua memória e ele queimava lento e incólume. Algo de torturante havia em seus olhos enquanto ele se atinha à diversão de revisitar seu passado. Ele passou por salões, boates, quartos de hotel, taças de vinho, bancos de ônibus e ruas e praças. Despedia-se com calma das passagens, dele e de outros, enquanto uma perigosa certeza tomava o lugar do medo que ele sentia. Todo o passado, a distância, a vida que ele levara, tudo seria lentamente consumido em nome dessa coisa tola e intransigente que chamamos bom senso. Finalmente olhou para aquelas tantas cinzas e respirou fundo. Não haveria lágrimas, lamentos, olhares... Daqui para a frente, seria uma valsa em que só ele dançaria, com a frieza e a loucura necessárias e bem dosadas. O carro estacionou macio em frente ao prédio e a chuva tamborilava as janelas enquanto ele pagava a corrida. Ele abriu a porta, desceu, encarou pela última vez o taxi que levava parte dele embora: Não com o olhar de quem desistira. Ele não sentia nada. Mais do que abdicar de todo o passado, ele abdicara de sentir. Anestesiado. Ele podia, finalmente, andar em paz. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário