segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Do Atrevimento.

Atrevimento genuíno é esse meu, que insisto em cultivar a frieza de uma saudade morta, que de tão usada, morreu sozinha. Transplantando o tempo e as lembranças para a noite indecisa de segunda feira, rabiscando com calma o vidro frio das taças sangradas de vinho seco. Eu sofro, invariavelmente, com essas lembranças que são tolice pura, cheias dos erros mais estranhos e repisados. O telefone que toca anônimo num canto esquecido da memória me interrompe o monólogo e faz percepção catastrófica: A minha fala sozinha, reverberando nos salões da minha lembrança, o devaneio sorridente dos gestos que prescindem de retratação, o gosto bom entredentes de uma jura sufocada e a saudade amargando o Martini que eu insisto em açucarar. E o estranhamento, a indignidade, a lástima das horas que passam. O meu sorriso superficial e a eterna busca pela satisfação, mesmo nos olhos errados. A incandescência do tempo que passa e fecha as feridas todas à brasa, até mesmo as que queremos abertas, sangrando, como uma espécie de medalha masoquista que, aos gritos, confirma a certeza inicial de que era um erro... O erro e a sua valsa estranha, o erro é erro só quando os olhos descambam em lágrima, antes, imperceptível e sutil, é mania estranha, bateria descarregada, necessidade de liberdade. E não são as mãos frias do tempo as que me fecham feridas, mas o sal das lágrimas é que cicatriza a dor em rosácea calada e lavrada de lembrança. Talvez me faltem algumas lágrimas, que rolem abismo a baixo, cedentes de vontade, certas de retorno, minguando de desejo e brancura. É que há tempos eu não choro, meu orgulho acabou calcificando minhas íris muito escuras, intolerantes e insolentemente seletivas. É que há tempos eu não me entrego, ao dissabor de uma tarde que me seja mais que vento, palavra e café quente. É que há tempos eu me atrevo tão frequentemente a desafiar as lágrimas com arrogância, que tenha me esquecido como é, de verdade, ser um pouco menos pedra, um pouco mais humano.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Solidão.

E talvez tenha me acostumado à solidão. Não essa solidão insatisfeita dos conventos, mas uma solidão insolente que olha o amor de frente com um sorriso petulante retesando o canto dos lábios. Uma solidão que chora sozinha no canto da sala é deprimente. A solidão altiva das peças únicas é elegante, não existe por rejeição, mas por disparidade. A sedução mística dos objetos ímpares é muito mais doce, desejada. Cobiça que cresce aquecida pelo fetiche do mistério, esgueirando-se pelos muros blindados da razão até chegar ao interesse mais torpe e apaixonante de um coração ansioso. A verdade é que há muito não me fazem estremecer como eu costumava... Os esforços e sorrisos alheios são mais um desfile de tentativas frustradas e quando um atrevimento rasga a seda da distância educada, resta a nudez fria de um não. Às vezes, eu assumo, um amor é preciso, para ocupar a casa, fazer trocar os porta-retratos, para banhar músicas com lembrança e espalhar a poeira fina da nostalgia sobre as ruas. Mas finda essa utilidade mórbida, traça-se a linha dos erros, a valsa estranha dos desapaixonantes e, regado a vinho e falsa comoção, cresce o anseio de liberdade e “os velhos tempos” são cada dia mais bonitos. Sentenças dadas, não há julgamento que perdure a contragosto dos fatos: as rédeas são gentilmente cedidas à sabatina das horas e as perguntas se encarregam, doces, do fim. E a solidão reassume com graça o seu posto. Talvez eu tenha me contido por conforto, por preguiça, por medo. Talvez eu tenha me acostumado a ser só, mas, definitivamente, não desacompanhado.