Nas entrelinhas do meu nome moram palavras, saudades e erros. Moram sorrisos, dores, lágrimas, tédios e calmarias. Entremeando as letras do meu nome, sangram tempestades inteiras incansáveis e ínsones, dispersas, alimentadas, açoitadas ao sabor dos ventos que eu sopro e assisto soprarem. Lacradas sobre as minhas iniciais jazem vidas inteiras e natimortos que eu não mais suportei enterrar de novo e de novo. Jazem flores, dragões, cadeados e juras de amor feito carne ou inconsumado. Sob o ferrolho dos meus sobrenomes permanecem encarcerados segredos meus e de outros, falhas confessas, felicidades dignas de maremotos e a finesse cruel dos livros de etiqueta mais empoeirados. Sozinhos sob a íris dos meus olhos dançam ensandecidos desejos, perjúrios, desprezos e incredulidades incontestáveis que aos pares incendeiam ou congelam meus olhares tortos e sorrisos obtusos. Abaixo e profundo na minha pele borbulham agressões animalescas e correntes blindadas à boa educação e falsidade. Correm vivos pelas minhas veias medos, libido, guilhotinas, coragem e histórias inacabadas que o meu coração reanima a cada contração. Viajam na velocidade da luz impulsos e frases cortantes, que a minha língua afiada por vezes dispara sem obter igual lâmina ardente, doce ou úmida que lhe cale. Nos músculos das minhas pernas comanda insólita a busca eterna. Pelo meu corpo avançam lentas calma e resignação enquanto revolta e soberba lideram revoluções do alto de seus cavalos negros. O meu nome é muito e tão pouco que cabe em seis letras enfileiradas ao capricho do destino, determinadas pela morfologia estática das palavras. Meu nome é santo e devasso escondido sob vestes históricas de significação, astrologia e lembranças de família. É pequeno estigma que sangro a cada assinatura, que condena e salva, encarecidamente, cruelmente, tolamente. Por tudo e portanto, chame-me apenas por Danilo, toda dor, todo gozo, toda vida e toda morte estarão implícitas.
Destilo aqui a dor, o delírio, a desventura e a delícia dos meus dias em palavras. Destile, você, essas palavras em algo que te compraza.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Confidência urbana.
Belo Horizonte. Ela me lapidou, dilapidou, e me deixa saudoso a cada partida. Ela me fez mais sério, mais clássico e mais seletivo. Ela refinou meu gosto e dobrou meu sotaque à necessidade que nasce entre os carros muito rápidos, entre as pessoas desconhecidas, entre olhares e medos fugazes como sorrisos. Entretanto, a cidade grande não me fez uma gota menos interiorano. Eu ainda sorrio de lado, ainda olho torto, ainda me assusto com a maravilha, o mau gosto e a durabilidade decepcionantemente alta da engenharia moderna. Ainda me encanto com as facilidades da grande cidade: facilidade de conseguir contatos, de fazer amizades, de acabar sem um centavo, de chegar a tudo e de que tudo nos chegue. Mas eu ainda sou interiorano, ainda guardo a sanidade, a lealdade, a frieza e o sorriso forte que a Mantiqueira me ensinou. Ainda sofro calado, ainda ergo a cabeça e ainda prefiro o inverno. A cidade grande com suas ruas largas me mostrou as regras inalienáveis do jogo e o modo mais elegante de contorná-las. A cidade pequena das ruas tortas e amareladas pelos postes me mostrou o prazer da meia luz, a graça e o benefício da dúvida, o refino da poesia de Drummond, a arte dos santos do pau oco e o bom gosto amargo da saudade. A cidade grande me fez mais despreocupado, mais centrado, mais obrigado. Mas ainda sou interiorano, com todos os gestos, mistérios, palavras, orgulhos, dominações e potestades que, como exige a rigorosa praxe do sul de Minas, não podem faltar a um bom anfitrião. A cidade me fez grande, tão grande quanto sua urbanização negro-asfalto. A Belo Horizonte me reinventou e me refez mais mineiro, menos tedioso, mais disposto a fazer o certo sem dor, menos ingênuo e mais engraçado. Mas é dela, da Aiuruoca do sul das Geraes, da Comarca do Rio das Mortes e da Estrada Real, é dela o meu eixo de ferro, a minha decisão difícil e imutável e a minha batalha eterna. E dela será a minha saudade, o meu sangue e o meu corpo. Porque por mais que a polidez da minha voz, a rapidez dos meus passos e a palidez do meu céu me faça citadino, só a ela eu chamarei de casa: Aiuruoca.
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