Eu nunca soube lidar com os seus segredos, com os seus medos,
com as suas tragédias ensaiadas. As horas que você me dedicava eram sempre
lentas, arrastadas, arrasadas por essa meu constante medo de que eu precisasse
um pouco da sua voz no meu dia. No fundo de algum lugar distante de mim eu sabia
que sob a guarda dessa crueldade que chamam de bom senso, estava a certeza de
que, capricho meu, eu sinto saudades suas. Era o medo de me prender a você que
me mantinha longe, sempre margeando seus passos, incapaz de ouvir a sua voz.
Exigi que você se fizesse distante, amealhando as palavras, tecendo com
preposições cuidadosas as teias mentirosas das minhas tardes e redispondo com
cuidado as palavras para não perecer pela mesma boca que te sorria sonsa. Eu
impunha as distâncias ao passo que caçava as coincidências, planejava acasos,
pormenorizava conversas informais... E inevitável como te ver, eu emudecia toda
vez que, ameaçadoramente, você se aproximava. Mas isso já se foi há anos e com
um pouco de saudade e contragosto eu assumo que ainda te sinto perto. Eu bem
queria te ver nessas ruas que eu percorro, e se te vejo me resta o susto, a
indiferença, a vontade. O fechar apressado a grade do portão, me esconder atrás
do vidro blindado do hall, atrás do titânio da minha desatenção. Fingir que eu
consigo pra fortalecer meu olhar petulante, sangrar minhas [más] intenções em
copos de vodka e congelar meus passos naquela noite última e nada serena. Sem
mais problemas, afundar no colchão macio que eu teci com as suas razões e
dormir. Indiferente, delirante, alienado sobre o que eu chamo de passado, mas
que eu mesmo tenho medo de deixar passar.