Tarde dessas, alguns raios de sol cruzarão a soleira da porta entreaberta com a indolência de um maio cadente entre brumas e você acordará aturdido. Entre fios de cabelo em desalinho, você perceberá: Um sorriso perpassa a cortina difusa do inconsciente e atinge a luz nova da tarde que sangra, alaranjado, um sol redondo. Um medo estranho domina a cena, esfriando o estômago enquanto o quarto pouco iluminado sucumbe à meia luz da noite que cresce impassível. É um medo tranqüilo, desses que não exige imediatismos. Um medo resignado, vencido e convencido em sua sina. A noite avançará e sem escolha, você fechará as janelas e os botões da camisa sem emoção. Esse senso de contenção, silencioso e calvo será o seu guia por entre a escuridão que vela os móveis do apartamento vazio. Não haverá necessidade que te faça correr ou calmaria que te faça parar. Sua voz não se alteará e seu olhar não baixará. Enquanto te dirão triste, adoentado, frio ou diferente, você terá novos sorrisos. Você comprovará entre ponteiros e torres a desnecessidade do tempo e verá tremular sozinha nas esquinas o que chamam de felicidade boêmia, juventude domada. Você andará só sem ser sozinho e quando acompanhado, verá quem realmente merece a mão grudada à sua. Será novo como uma tarde de janeiro e antigo como uma noite estrelada de julho. Você mudará seus gostos, refinará suas opiniões, afiará sua conduta e acalmará seus impulsos. Você será inundado, naquela tarde quase morta, por uma compreensão profunda de você e de outros: Algumas jóias não são forjadas pra serem usadas, outras serão ostentadas à exaustão. Alguns perfumes ficarão sempre intocados sob poeira fina, outros serão triviais como a grama seca. Imparidade nem sempre é disparidade e alguns segredos... Serão cuidadosamente escondidos... De nós mesmos.